Antidepressivos
Tornam-me o que não sou,
Ou expandem os limites do que posso ser?
Difícil de responder, pois a resposta tem vários vieses. Tantos quantos são as manifestações alma humana.
Sou um escritor, quer dizer, ganho o pão de cada dia como servidor público, mas sou apaixonado por contar estórias.
Sou também um usuário de antidepressivos.
Usuário sim, por quê não?
Mas o que tem a ver uma coisa com outra?
Vou explicar.
Sou o tipo de paciente que não segue tão a risca as indicações médicas. Tomo a medicação de forma meio irregular. Passo um mês tomando direitinho, depois uma semana sem nada de remédio. Tomo por dois ou três meses ininterruptamente e então interrompo o tratamento por outros dois ou três meses. Algumas vezes passo um ano com, outro sem.
Pelos longos períodos de tempo que mencionei, dá para perceber que tenho uma larga experiência vivencial com essa de antidepressivo.
Mas ainda não expliquei que relação descobri entre tomar antidepressivos e meu trabalho de escritor.
Vamos lá.
Estou sempre escrevendo alguma coisa ou outra. Não tenho nada impresso ainda, mas não paro de rabiscar. Então escrever é, na minha vida, algo mais regular e perene do que o uso dos medicamentos a que se refere a presente reflexão.
Meus escritos são então testemunhas de meu vai-e-vem com o remédio. Usei o termo testemunhas, mas não seria mais adequado vítimas?
A razão de tomar tais medicamentos, obviamente, não é me tornar melhor ou pior. Tomo-os para ser mais adequado socialmente, mais tolerante e tolerável; no popular tomo para ser mais gente boa, ser um bom menino comportado.
Mas sem essa pílulinha você não é um bom menino comportado?
A resposta é um sonoro NÃO.
Algumas vezes, mesmo com o remédio não consigo ser comportadinho.
Pelo modo como me refiro à adequação social, usando os termos que usei, dá a impressão que não prezo pela tal adequação social, mas isso não é verdade. Fato é que faço uso de antidepressivos para me tornar mais tragável socialmente.
Mas estou desviando o foco do raciocício.
O que quero abordar é o modo como tais remédios interferem na minha escrita.
Alguém pode estar se perguntando:
Enquanto escreve este texto, ele está tomando antidepressivos?
A resposta é que fazem duas semanas que não tomo e as palavras só estão saindo da forma que você lê em razão de não estar fazendo uso do medicamento hoje. Se estivesse a tomar meu discurso seria outro.
Qual?
Não sei. Para responder preciso voltar a tomar. Quer dizer, não é tão mágico e esquisito assim, mas a diferença entre o que escrevo sob efeito de antidepressivos e abstêmio é grande.
Prova é que quando escrevo usando e reviso abstêmio, ou vice-versa, normalmente, julgo péssimo o que escrevi, quando não parece que outra pessoa fez o texto.
Mas não é somente minha forma de escrever que muda, a minha maneira de ler também.
Então, num raciocínio lógico, esse medicamento muda a maneira como percebo a ajo no mundo, sendo perceber a leitura e o agir a escrita.
Mas qual é o melhor texto, o antidepressivado (não façam trocadilhos com depreciado) ou o abstêmio?
Também não sei.
Na minha opinião gosto e desgosto dos dois tipos de textos com a mesma frequência, ou seja a frequência com que paro e volto a tomar as pilulas. Faz tanto tempo que estou nessa que acostumei e minha modesta obra está permeada dessa mudança de prisma. Fazer o que?
Espero que um dia eu consiga ser um ou outro escritor, apenas com o desejo de assim sê-lo e não sob o efeito de um psicotrópico.