quinta-feira, 21 de novembro de 2013

DNA Materno

As águas do oceano,
Só conheço do lado de cá.
São as mesmas águas
Mas não são as de lá
De onde se avistava novo ar
Mas não novo mar,
Pois este é o mesmo.
O que nos une são águas,
As mesmas que nos separam.
As águas vos trouxeram.
As águas vos levaram.
Mas as águas nos fizeram,
E as terras nos criaram.
As águas nos deram a luz,
As terras nos amamentaram.
As águas nos pariram brancos
E também negros
E a terra nos deu a comer
Em belos colos de índias
Híbridos, gritamos tal filhotes órfãos
E aguardamos resposta
Para além das águas
Para além das terras.
Antes clamássemos pela própria água

Pela própria terra.

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Ansiedade

Ansiedade

Catatônico, tropeça em cada passo
Esbarra em cada toco
Cai em cada poço

Crispado, esquece o que faz
Mas não o que jaz
Muito menos o “mas”

Ah, o “mas” esposo do “se”
Amante de si
Inimigo de te

Tudo contra o ser
O fazer por prazer
Ou mesmo por dever

Acuado, só te resta estar
Em outro lugar
Nunca para ficar.


sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Sal da Vida

Sal da Vida

Serpenteando selvagem
Sou um rio,
Surfando uma equação exata, um delírio.
Sorvendo o tempo fluido
Servido numa folha.
Secando respingos e lasciva saliva com lenços de seda.

Assim escorem os dias para quem viveu
Alerta, arguto e ferino,
Angélico, suave e divino.
Ansiando egoísta deleite em apogeu
Amando humilde a dor que sofreu.

Lamberia insípido um existir,
Lastimando cada segundo passado
Lento, pálido enjoado,
Logo esquecesse que sou rio,
Leve a correr,
Ligeiro para o sal da vida,
Longo mar.
 




Cuecas, Sapatos e a Vida

Cuecas, Sapatos e a Vida

Meus pés doem,
Mas não tanto quanto meu saco.
Muitos sapatos apenas apertam.
Cuecas sufocam e oprimem.
Sapatos estão sempre à mostra.
Cuecas não.
Espero poder comprar sapatos melhores
Esses são caros.
Cuecas melhores, nem tanto.
Por isso tenho que priorizar minhas roupas íntimas
Essas sim podem fazer a vida ser melhor.
Sapatos ajudam a andar.
Cuecas ajudam a vida a se perpetuar.
Então, entre cuecas e sapatos,
Prefiro as cuecas.




Solidão é Para Quem Quer.

Solidão é Para Quem Quer.
Lembro-me de um dia minha primeira namorada chegar para mim, num momento de crise no relacionamento, e falar:
“ Nenhuma mulher jamais vai te aguentar, depois de mim ninguém mais vai te querer.”
Aquilo atormentou minha cabeça por muito tempo. Eu tinha 18 ou 19 anos e ela não era exatamente minha primeira namorada. Sendo mais exato era a terceira namorada de minha adolescência e contando com os namoricos de infância talvez fosse a quinta ou sexta mulher da minha vida, mas essa foi a primeira com quem tive uma larga e prazerosa experiência sexual.
Por que ela disse aquilo, ela tinha razão?
Sim, ela tinha razão. Nenhuma mulher jamais me aguentou, mas mesmo contra todas as chances, muitas delas me amaram. Quando aquela primeira namoradinha (pouco importa se fosse a sétima) disse aquilo, preocupei-me por não ser um bom partido. De fato isso se confirmou: não sou um bom partido; não sou sequer um partido razoável, mas mesmo assim muitas mulheres me amaram e, logo após o fim dos relacionamentos, me odiaram.
Talvez ela tivesse se expressado melhor se tivesse dito:
“Nenhuma mulher jamais vai te tolerar por muito tempo.”
Isso hoje parece fazer mais sentido, mas existe um fato que me faz contestar tal maldição: estou casado e me relacionando com a mesma mulher há 10 anos, tenho um filho com essa heroína e ela está grávida do segundo.
Depois da primeira maldição de namorada outras mais me amaldiçoaram com pragas semelhantes. Será que elas teriam razão?
Acho que não. Por mais cafajeste, destemperado, arrogante, infiel e perdulário ( dentre outras qualidades depreciativas) que eu seja, ainda assim há mulheres interessadas em ter pelo menos um lance comigo.
A que se deve tal fato? Sorte? Beleza (essa não é unânime)? Desespero da mulherada por falta de homem no mercado?
Não sei, mas estou certo de que não morrerei desacompanhando. Esteja e com minha atual esposa ou com outra alma tolerante a caridosa que aguente todas as minhas neuroses, deslealdades e principalmente minha loucura lancinante, sempre haverá alguém. Tenho essa certeza por ter nascido com  uma habilidade fundamental para a sobrevivência em um relacionamento: mentir sobre mim mesmo no começo e só liberar as verdades em doses homeopáticas. Quando a mulher percebe está envolvida demais para me largar e com vontade ainda maior de me melhorar, pois essas esperança de que amanhã uma mulher terá um companheiro melhor pode iludir a mais inteligente das mulheres por toda a sua vida.
Mas onde está o amor?
Escondido em algum lugar no meio dos afazeres sufocantes do relacionamento, mas nunca morto.
Sou um exemplo de que, por pior que seja uma panela, sempre haverá muitas tampas dispostas a manter o cozimento mais quente.
Garanto a você meu querido ou querida que teme a solidão, que assim que saiba:
Mentir para conquistar;
Iludir para motivar;
E amar para justificar.
Jamais morrerá sozinho.
Assim vos garante um dos piores partidos que já existiram e existem, pois pouco mudei, e ainda assim estou casado com uma mulher de força e tenaz suficiente para me aguentar, Ingênua para acreditar em dias melhores e, principalmente, ciente de que se decidir me abandonar a fila logo vai andar.
Tenham esperança, vocês não morreram sós, a menos que essa seja sua vontade.

Felipe Leão de Araújo

sábado, 5 de outubro de 2013

Antidepressivos, Prós e Contras na Literatura.

Antidepressivos

Tornam-me o que não sou,
Ou expandem os limites do que posso ser?

Difícil de responder, pois a resposta tem vários vieses. Tantos quantos são as manifestações alma humana.
Sou um escritor, quer dizer, ganho o pão de cada dia como servidor público, mas sou apaixonado por contar estórias.
Sou também um usuário de antidepressivos.
Usuário sim, por quê não?
Mas o que tem a ver uma coisa com outra?
Vou explicar.
Sou o tipo de paciente que não segue tão a risca as indicações médicas. Tomo a medicação de forma meio irregular. Passo um mês tomando direitinho, depois uma semana sem nada de remédio. Tomo por dois ou três meses ininterruptamente e então interrompo o tratamento por outros dois ou três meses. Algumas vezes passo um ano com, outro sem.
Pelos longos períodos de tempo que mencionei, dá para perceber que tenho uma larga experiência vivencial com essa de antidepressivo.
Mas ainda não expliquei que relação descobri entre tomar antidepressivos e meu trabalho de escritor.
Vamos lá.
Estou sempre escrevendo alguma coisa ou outra. Não tenho nada impresso ainda, mas não paro de rabiscar. Então escrever é, na minha vida, algo mais regular e perene do que o uso dos medicamentos a que se refere a presente reflexão.
Meus escritos são então testemunhas de meu vai-e-vem com o remédio. Usei o termo testemunhas, mas não seria mais adequado vítimas?
A razão de tomar tais medicamentos, obviamente, não é me tornar melhor ou pior. Tomo-os para ser mais adequado socialmente, mais tolerante e tolerável; no popular tomo para ser mais gente boa, ser um bom menino comportado.
Mas sem essa pílulinha você não é um bom menino comportado?
A resposta é um sonoro NÃO.
Algumas vezes, mesmo com o remédio não consigo ser comportadinho.
Pelo modo como me refiro à adequação social, usando os termos que usei, dá a impressão que não prezo pela tal adequação social, mas isso não é verdade. Fato é que faço uso de antidepressivos para me tornar mais tragável socialmente.
Mas estou desviando o foco do raciocício.
O que quero abordar é o modo como tais remédios interferem na minha escrita.
Alguém pode estar se perguntando:
Enquanto escreve este texto, ele está tomando antidepressivos?
A resposta é que fazem duas semanas que não tomo e as palavras só estão saindo da forma que você lê em razão de não estar fazendo uso do medicamento hoje. Se estivesse a tomar meu discurso seria outro.
Qual?
Não sei. Para responder preciso voltar a tomar. Quer dizer, não é tão mágico e esquisito assim, mas a diferença entre o que escrevo sob efeito de antidepressivos e abstêmio é grande.
Prova é que quando escrevo usando e reviso abstêmio, ou vice-versa, normalmente, julgo péssimo o que escrevi, quando não parece que outra pessoa fez o texto.
Mas não é somente minha forma de escrever que muda, a minha maneira de ler também.
Então, num raciocínio lógico, esse medicamento muda a maneira como percebo a ajo no mundo, sendo perceber a leitura e o agir a escrita.
Mas qual é o melhor texto, o antidepressivado (não façam trocadilhos com depreciado) ou o abstêmio?
Também não sei.
Na minha opinião gosto e desgosto dos dois tipos de textos com a mesma frequência, ou seja a frequência com que paro e volto a tomar as pilulas. Faz tanto tempo que estou nessa que acostumei e minha modesta obra está permeada dessa mudança de prisma. Fazer o que?
Espero que um dia eu consiga ser um ou outro escritor, apenas com o desejo de assim sê-lo e não sob o efeito de um psicotrópico.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Esbarrão na praça Coração de Jesus.

Faz muito tempo que ando me escondendo, me privando de escrever para alguém ler.
Um fortuito esbarrão entre mim e uma alma selvagem, numa praça qualquer, fez-me recobrar algum tesão em me expressar.
Como um pregador, num prosélito de fé, essa alma impôs a mão sobre minha cabeça e com vigor determinou:
"Tu serás um poeta. Serás um escritor. Eu determino"
Assim, sem mais nem menos. Minto, havia um trago de cigarro em jogo, mas isso não tem importância, ou tem toda ela.
Meu corpo se curvou diante do vigor das palavras e do peso da mão. Mas apesar de toda a insolitez da situação, não reagi. Como cordeiro, aceitei o que para muitos seria ultrajante. Para mim mesmo seria ultrajante, caso essa alma não pertencesse, mesmo que eu ainda não soubesse a um poeta.
Sou avesso a pregações exacerbadas, mas vinda de um artista, aceito até profecias.
Quisera, um dia, se concretizassem.